Lei Maria da Penha
Relação de amor e ódio, maridos violentos e mulheres submissas
A VIOLÊNCIA e a MULHER na
história:
A
violência contra a mulher é produto de uma construção histórica e social. Ao
longo dos tempos, as mulheres sempre foram inferiorizadas perante o homem.
Desde os primórdios, a cultura humana caracteriza o sexo feminino como o sexo
frágil, colocando a figura da mulher como um ser dependente da figura
masculina.
A
submissão da mulher perante o homem é fato ocorrido desde os chamados “tempos
das cavernas” com a famosa figura do homem puxando a mulher pelos cabelos. Na
Grécia antiga, a diferenciação entre os gêneros era clara. Em Roma, a mulher
não era considerada cidadã e consequentemente não podia exercer nenhum cargo
público.
A
cultura da religião judaico-cristã só firmou ainda mais a inferioridade da
mulher na sociedade. O Cristianismo colocou a mulher como sendo a culpada pelo
pecado original, pela expulsão dos homens do paraíso, devendo por isso serem
obedientes passíveis e submissas aos homens, que eram tidos como seres
iluminados e os únicos capazes de dominar os instintos das mulheres. Com o
aumento dos adeptos dessa religião ao redor do mundo, esse pensamento da
submissão da mulher foi sendo acolhido pela grande maioria, introduzindo na
mulher a consciência da culpa perante o pecado, e dando ao homem o poder de
domínio perante ela.
Com
o decorrer dos anos, mesmo com as revoluções ocorridas nos países europeus, a
mulher continuou sendo privada de seus direitos naturais, tendo apenas as
funções domésticas designadas. Foi somente no século XIX, com a consolidação do
sistema capitalista que algumas mudanças aconteceram.
No contexto
brasileiro, a partir do ano de 1970, grupos de movimentos feministas foram
nascendo no país, com o grande objetivo de eliminar as discriminações sociais,
econômicas, políticas e culturais de que a mulher é vítima. A luta desses
grupos contra o machismo tinha como revolta a impunidade de muitos assassinatos
de mulheres sob o argumento de legítima defesa da honra. Pinafi expõe o exemplo
do assassinato de Ângela Maria Fernandes Diniz pelo seu ex-marido, Raul
Fernando do Amaral Street que não se conformou com o rompimento da relação e
acabou por descarregar um revólver contra o rosto de Ângela. Sendo levado a
julgamento foi absolvido com o argumento de haver matado em “legítima defesa da
honra”. A grande repercussão dada à morte de Ângela Diniz na mídia, acarretou
numa movimentação de mulheres em torno do lema: “quem ama não mata”.
Com
a pressão dos movimentos feministas contra a violência doméstica, foi criado,
no estado do Rio de Janeiro em 1981, o SOS Mulher, um espaço de atendimento às
mulheres vítimas de violência, além de ser um espaço de reflexão e mudanças das
condições de vida destas mulheres, tendo esta iniciativa se expandido para
outras capitais como São Paulo e Porto Alegre.
Depois
de iniciada a parceria dos grupos feministas com os estados brasileiros, o
acordo para a criação da primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) veio em consequência, contribuindo para dar maior visibilidade à problemática da
violência contra a mulher, especialmente a doméstica. A medida adotada pelo
Brasil foi pioneira e teve países da América Latina como seguidores, adotando
também a criação de DDMs.
Em
junho de 1994, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA),
aprovou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará, tendo o Brasil
como signatário e tendo ajudado com a iniciativa da criação da Lei Maria da
Penha.
Maria da
Penha, quem é?
Maria da Penha formou-se em Farmácia e Bioquímica em 1966, na
primeira turma da Universidade Federal do Ceará. Na época em que cursava
pós-graduação na Universidade de São Paulo (USP) conheceu o homem que, tempos
depois, se tornaria seu marido e pai de
suas três filhas. Ao conhecê-lo, Maria da Penha nunca poderia imaginar no que
ele se transformaria.
“Uma mulher quando escolhe um homem, ela quer que seja para
sempre”, declarou em um dos seus vários depoimentos. Simpático e solícito no início do casamento,
Marco Viveros começou a mudar depois do nascimento da segunda filha que,
segundo relatos de Maria da Penha, coincidiu com o término do processo de
naturalização (Viveros era colombiano) e o seu êxito profissional.
Foi a partir daí que as agressões se iniciaram e culminaram
com um tiro em uma noite de maio de 1983. A versão dada pelo então marido é que
assaltantes teriam sido os autores do disparo.
Depois de quatro meses passados em hospitais e diversas cirurgias, Maria
da Penha voltou para casa e sofreu mais uma tentativa de homicídio: o marido
tentou eletrocutá-la durante o banho. Neste período, as investigações apontaram
que Marco Viveros foi de fato autor do tiro que a deixou em uma cadeira de
rodas.
Sob a proteção de uma ordem judicial, Maria da Penha
conseguiu sair de casa, sem que isso significasse abandono do lar ou perda da
guarda de suas filhas. E, apesar das limitações físicas, iniciou a sua batalha
pela condenação do agressor.
O que mudou com a Lei Maria da
Penha?
Antes
da Lei Maria da Penha, a violência doméstica contra a mulher nunca teve uma lei
especifica que a regulasse. Mulheres agredidas se viam encurraladas pela falta
de apoio jurídico enquanto que o homem continuava com as agressões já que a sua
chance de ser punido era praticamente nula.
A
Lei Maria da Penha trouxe dispositivos para coibir a violência doméstica e
familiar contra a mulher. Uma das maiores novidades trazidas pela Lei foi a
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, os
JVDFMs, com competência cível e criminal, o que deu mais celeridade aos
processos que continham direito de família incluso, por exemplo.
Outra
importante mudança foi quanto à desistência da vítima em prestar denúncia
contra o seu agressor. Antes de 2006, a mulher podia desistir da denúncia na
própria delegacia, e depois de 2006, ela só fica permitida a desistir da
denúncia perante o juiz. Fica à decisão do juiz fixar um limite mínimo de
distância entre o agressor e a vítima, seus familiares e testemunhas, e pode
também proibir qualquer tipo de contato com a agredida, seus familiares e
testemunhas.
E
o último dispositivo da Lei, e um dos mais importantes, é o que permite o Juiz
determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação
e reeducação, o que faz o agressor ser reeducado psicologicamente para não
voltar a agredir a mulher.
A lei:
a
definição do que é violência doméstica, incluindo não apenas as agressões
físicas e sexuais, como também as psicológicas, morais e patrimoniais;
- reforça que todas as mulheres, independentemente de sua orientação sexual são protegidas pela lei, o que significa que mulheres também podem ser enquadradas e punidas como agressoras;
- não há mais a opção de os agressores pagarem a pena somente com cestas básicas ou multas. A pena é de três meses a três anos de prisão e pode ser aumentada em 1/3 se a violência for cometida contra mulheres com deficiência;
- ao contrário do que acontecia antigamente, não é mais a mulher quem entrega a intimação judicial ao agressor;
- a vítima é informada sobre todo o processo que envolve o agressor, especialmente sobre sua prisão e soltura;
- a mulher deve estar acompanhada por advogado e tem direito a defensor público;
- podem ser concedidas medidas de proteção como a suspensão do porte de armas do agressor, o afastamento do lar e uma distância mínima em relação à vítima e aos filhos;
- permite prisão em flagrante;
- no inquérito policial constam os depoimentos da vítima, do agressor, de testemunhas, além das provas da agressão;
- a prisão preventiva pode ser decretada se houver riscos de a mulher ser novamente agredida e
- o agressor é obrigado a comparecer a programas de recuperação e reeducação.
O resultado da Lei
A
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres realizou um estudo, entre
outubro de 2006 e maio de 2007, para mensurar os impactos da Lei Maria da Penha
na vida das brasileiras. Neste período:
- abriram-se 32.630 inquéritos em delegacias do país com depoimentos das vítimas, dos agressores e de testemunhas;
- 10.450 processos criminais foram encaminhados nos Juizados e Varas adaptadas;
- 5.247 medidas de proteção às vítimas foram autorizadas;
- realizaram-se 846 prisões m flagrante e 77 em caráter preventivo e
- foram feitos 73 mil atendimentos pelo Ligue 180, sendo que 11,1 mil se tratavam de pedidos de informações sobre a lei Maria da Penha;
De
meados de 2006 a setembro de 2007, foram criados 15 Juizados Especiais de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e 32 Varas foram adaptadas. A
própria secretaria reconhece que o volume ainda é bem inferior ao necessário
para combater o problema e que a dificuldade advém de uma mudança de cultura do
próprio Judiciário.
Ainda
é difícil prever os resultados concretos da lei em relação à quantidade de
casos de violência praticados contra a mulher. Se cai o número de denúncias,
não é possível determinar se isso se deve a uma intimidação maior das mulheres
por conta do novo instrumento legal, ou se, de fato, a lei inibe a ação dos
agressores. Por outro lado, um aumento de denúncias pode revelar tanto que as
mulheres estão mais corajosas para lutar por seus direitos quanto que o número
de agressões, de fato, aumentou.
De
todo modo, a lei Maria da Penha cumpre a indiscutível função de colocar o
assunto em evidência e chamar a atenção da sociedade para este antigo drama
contemporâneo.
DENUNCIE:
Disque 180
Pesquisa: Breno Souto
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